quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Pense bem antes de parar

Fonte: Revista O2

Qualquer pausa na rotina de treinamento resulta em transformações no organismo. Fraturas ou lesões, perda da motivação, compromissos profissionais ou pessoais podem ser fatores geradores de um período de “hibernação” do corpo. A revista O2 traz, nesta edição, uma reportagem especial para que você entenda o que é o destreinamento e quais as alterações fisiológicas que ocorrem com a interrupção da atividade física. E, na edição de julho, você poderá conferir qual a melhor forma de reverter este quadro e recuperar o “prejuízo”

Correr por profissão, por prazer, pela superação dos limites ou, simplesmente, por saúde e bem-estar. Em muitos casos, a busca incessante por bons resultados e auto-superação, o excesso de participação em provas e o ritmo intenso de treinamento fazem com que o organismo não suporte e, de repente, você se vê obrigado a parar. A interrupção também pode ocorrer após a conclusão de uma meta ou a transposição de um obstáculo, momento em que o atleta decide que é hora de se afastar dos treinos para se dedicar a outros projetos.

Mas se, por algum motivo, você está pensando em dar um tempo nos treinos ou se já está em processo de destreinamento, leia a matéria até o final e analise o que tem a ganhar e a perder com a interrupção da atividade física. Pense bem para não se arrepender depois!

O custo do destreinamento
A prática de exercício físico faz com que diversas alterações ocorram no organismo, proporcionando a melhoria das capacidades aeróbia e anaeróbia. O início da atividade leva ao aumento do consumo máximo de oxigênio (VO2 máximo), a capacidade do corpo de absorver oxigênio no pulmão e usá-lo para gerar energia. Com a prática constante, o primeiro benefício é a melhora na distribuição do fluxo sanguíneo, fazendo com que os músculos sejam irrigados com mais eficiência e possam receber mais oxigênio e nutrientes. Ao mesmo tempo, há o aumento médio de 20% a 40%, após um período de treinamento de 2 a 4 meses, do número e do tamanho das mitocôndrias (a parte da célula responsável pelos processos bioquímicos de produção de energia). Também verifica-se o aumento dos estoques energéticos (glicogênio muscular e hepático), o crescimento da cavidade interna do coração e o aumento de força das paredes cardíacas e da quantidade de glóbulos vermelhos (hemácias). Pode-se notar ainda que as fibras musculares tornam-se mais eficientes e os ossos ficam mais resistentes.

Com a interrupção do treinamento, ocorre o chamado ‘destreinamento’ ou ‘princípio da reversibilidade’: o organismo volta ao que era antes do início da atividade física.

Algumas alterações metabólicas constatadas, que ocorrem de forma conjunta e contínua, são:
1:: Diminuição do número de mitocôndrias
2:: Diminuição da capilaridade dos músculos, reduzindo a quantidade de sangue que chega aos músculos, proporcionando menos oxigênio e menos nutrientes
3:: Perda da eficiência das enzimas oxidativas, responsáveis pelas reações químicas dentro das mitocôndrias
4:: Perda da eficiência do sistema enzimático de queima de combustíveis (para produzir energia é preciso queimar combustível)
5:: Redução das fibras oxidativas (onde estão as mitocôndrias) que podem diminuir em atletas de longa duração, após 8 semanas. A distribuição das fibras musculares (rápidas e lentas) mantém-se igual no início do período de destreinamento
6:: Redução do diâmetro do ventrículo (cavidade inferior do coração) após 21 dias, e conseqüente diminuição na eficiência respiratória
7:: Redução da capacidade do organismo em metabolizar a gordura, após 10 dias sem treinamento.

Tudo isso leva à diminuição da capacidade aeróbia de produzir energia e, conseqüentemente, à redução do condicionamento físico. “Se a pessoa é sedentária, o organismo fica adaptado a esta situação. Mas o treino impõe uma nova condição e ocorre uma melhora em todos os sistemas do organismo para suportar este novo panorama. Com a interrupção da atividade, o organismo volta ao que era antes, sendo que a capacidade aeróbia é a primeira a ser afetada e já começa a ser sentida na primeira semana de pausa”, afirma o fisiologista Paulo Sérgio Zogaib. Por exemplo, se o atleta corria 10km em uma hora, passa a percorrer somente 8km no mesmo espaço de tempo.


:: CORREDORES E CICLISTAS EM DESTREINAMENTO
A Universidade do Texas realizou um estudo sobre os efeitos do destreinamento. Observou um grupo de corredores e ciclistas que haviam treinado por 10 a 12 meses e depois pararam por 12, 56 e 84 dias. Neste período os atletas apenas realizaram suas atividades diárias de trabalho sem nenhuma atividade que necessitasse de um desgaste físico maior. As principais variações foram:


Período de pausa 12 dias 56 dias 84 dias
VO2 máx -7% -14% -16%
Volume sistólico -11% -86% -86%
Débito cardíaco* -8% -10% -13%

*Quantidade de sangue que sai do coração em um minuto


:: CORAÇÃO, MÚSCULOS E SANGUE APÓS 84 DIAS
Num estudo realizado em corredores que pararam de treinar, por 84 dias, foram constatadas diversas alterações:
:: nas 3 primeiras semanas os atletas perderam suas condições cardiovasculares, devido a um rápido declínio no volume de sangue que o coração bomba em cada batida
:: o volume sistólico, quantidade de sangue que sai do coração cada vez que este se contrai, declinou para 10% a 14% abaixo do nível de treinamento em apenas 12 dias e, após os 84 dias, apresentava um nível de pessoa sedentária
:: o VO2 máx declinou 7% nos primeiros 21 dias e estabilizou-se após 56 dias em 16% abaixo do nível de treinamento
:: as atividades das enzimas oxidativas foram reduzidas a 50% do inicial, diminuindo o fornecimento de energia para o músculos
:: o número de capilares sanguíneos por fibra foi o fator que menos se deteriorou, apenas 7% a menos da quantidade total que os corredores tinham quando treinavam

Mudanças a curto prazo (3 semanas ou menos)
VO2 máx -8%
Débito cardíaco máximo -8%
Freqüência cardíaca máxima +4%
Densidade capilar* -7%
Limiar anaeróbio -7%

Mudanças a longo prazo (3 a 12 semanas)
VO2 máx -18%
Débito cardíaco máximo -10%
Freqüência cardíaca máxima +5%
Densidade capilar* -2%
Limiar anaeróbio -18%


*Quantidade de capilares que compõem a fibra muscular. Fonte: "Fisiologia do Exercício", cArdie & Katch

A partir da terceira semana de repouso a perda é ainda mais drástica e, acima de um mês ou 40 dias de pausa, já é possível considerar-se um sedentário.

Ao se comparar atletas que treinaram de 6 a 20 anos com quem praticou atividade física por cerca de seis meses, verificou-se que pessoas que treinaram por um período mais longo apresentam uma perda menor do condicionamento físico e das adaptações fisiológicas ao exercício com o destreinamento, se comparado àquelas que treinaram por pouco tempo. “O motivo não tem influência nas respostas do organismo durante o destreinamento, mas o quanto a pessoa se mantém inativa durante este período deve ser considerado”, afirma a fisiologista Liane Beretta. “O que quero dizer é que se a pessoa está acamada por causa de uma cirurgia, por exemplo, as perdas são muito maiores do que para quem mantém suas atividades diárias com uma certa demanda energética, como caminhar, subir escadas ou cortar grama.”

No caso de uma pessoa que se recupera de uma intervenção cirúrgica, o VO2 máx reduz-se em 15% após 10 dias e 27% após 3 semanas, significando uma perda estimada de 0,8% a cada dia. Bem maior do que a perda estimada de 8% no VO2 máx em 3 semanas se forem mantidas as atividades diárias.

“Além disto, em um mês de cama é possível perder de 10% a 20% da área muscular e ter uma redução de 0,3% a 3% da densidade óssea na região lombar”, ressalta ela. Conclui-se que, se a pessoa pára de treinar e tem uma vida que não requer gasto calórico no dia-a-dia como, por exemplo, subir escadas ou caminhar com o cachorro, provavelmente a perda de condicionamento será maior em relação a quem tem algum tipo de atividade diária.

Segundo Renato Lotufo, médico especializado em medicina do esporte e fisiologia do exercício, há um estudo elaborado pela Nasa, que pagou para um time de maratonistas ficar sem treinar durante trinta dias. Formaram-se dois grupos: um deles ficou deitado, em repouso absoluto, e o outro, mesmo deitado, fazia algum tipo de exercício físico. No final do estudo foi verificado que o grupo que permaneceu sem qualquer atividade física não conseguia fazer nada e precisou de ajuda até mesmo para caminhar, enquanto que o outro apresentava melhores condições físicas.

Por que não parar
Para o atleta, amador ou profissional, praticante de corrida ou de outra atividade física, é importante pensar muito bem antes de parar totalmente com os treinos. Por que vou parar? É necessário mesmo? Que atividade vou passar a fazer? São perguntas que devem ser respondidas. A pausa nos treinos de corrida é recomendada por muitos especialistas quando o atleta está cansado, com sinais de estresse nos membros inferiores, desmotivado e nos casos de lesão. O que não é aconselhável é uma parada total e brusca nas atividades físicas, que traz mais prejuízos do que benefícios. Pode-se alterar o percurso da corrida, mudar o treinamento e até o esporte. Se você está acostumado a correr mas precisa de um descanso, é possível interromper os treinos por duas ou três semanas e, enquanto isso, praticar uma outra modalidade, como tênis, natação ou ciclismo.

Quem se afastou do treino de corrida por causa de lesão também não tem motivo para abandonar os treinos por completo. É possível e indicado manter-se em atividade física para não perder as capacidades aeróbia e anaeróbia já adquiridas e manter as outras articulações ativas. Se você machucou o joelho, por exemplo, proteja a área lesionada e pratique outro esporte como natação, musculação ou outras atividades que não afetem a lesão. Mas sempre contando com uma supervisão médica.

“Se a pessoa não tiver condições de continuar a treinar por um tempo, é melhor escolher uma outra atividade, temporariamente, ou mesmo praticar a corrida de uma maneira mais moderada”, diz o professor de educação física Flávio Freire. Outras opções podem ser ciclismo ou deep running, uma corrida dentro d’água cujo impacto é bem menor do que no asfalto.

No caso de apenas redução do treinamento e não parada total, para se manter o condicionamento, é mais importante a continuidade da intensidade do que do volume de treinamento. Estudos com corredores mostraram que, mesmo com uma redução no volume do treinamento em 70% por 21 dias, a performance permanece, caso a intensidade seja mantida.

Aumento de peso
Muitos atletas, quando interrompem os exercícios físicos, deparam-se com um problema: o aumento de peso. Isto ocorre porque há uma diminuição do gasto calórico que, muitas vezes, não é acompanhada da redução na ingestão calórica. Isto significa que a pessoa continua comendo como se estivesse fazendo exercício, o que ocasiona um desequilíbrio entre gasto e ingestão calórica e, invariavelmente, acontece o ganho de peso. Outra modificação que ocorre no organismo é a perda da massa muscular. “A massa muscular consome energia mesmo em repouso, aumentando, assim, o gasto energético. Portanto, com a perda de massa muscular causada pelo destreinamento, há uma redução do gasto calórico em repouso e, conseqüentemente, se a pessoa tem uma ingestão maior do que este gasto, ela vai ganhar peso”, explica Liane Beretta. Neste caso, o principal cuidado é a sobrecarga nas articulação devido ao aumento do impacto com o ganho de peso. Durante a corrida a sobrecarga chega a ser de 2 a 3 vezes o peso corporal, ou seja, quanto maior o peso, maior esta sobrecarga. Assim, quem ganhou muito peso deve começar caminhando para, depois, iniciar um trabalho alternado de caminhada com corrida e, posteriormente, começar a correr. Outra idéia é fazer uma atividade alternativa, de menor impacto, como deep running ou spinning. E, principalmente, não se esqueça de rever sua alimentação, dando preferência para frutas, legumes, verduras e carnes brancas.

:: IDADE É RELEVANTE
A idade traz diversas reduções naturais na capacidade cardiorrespiratória e perda de massa muscular. A partir dos 25 anos começa-se a perder massa muscular, e entre 35 e 40 anos há uma curva descendente da capacidade fisiológica. E, se além desta perda natural, ainda houver parada no treinamento, o retorno será, fisiologicamente, mais demorado. Quanto maior o tempo de pausa, mais lenta será a volta à antiga forma, e mais lenta ainda de acordo com a idade do atleta. Apesar disso, Rodrigo Taddei, treinador especializado em corrida, ressalta que podem ocorrer casos em que pessoas de 20 anos e com menos experiência necessitem de mais tempo do que aqueles com 50 anos e com mais base atlética.

Uma injeção de ânimo
Um dos motivos da interrupção dos treinos pode ser a desmotivação. Quando o treino torna-se rotineiro e monótono, é muito fácil perder o interesse e ir espaçando os dias de corrida até que chega um momento em que, simplesmente, você não tem mais vontade de treinar. Se este é seu caso, é preciso repensar o que está ocorrendo e tentar transformar o treinamento em algo agradável, que lhe dê prazer. Você pode seguir algumas dicas:
:: Se os trajetos perderam a graça, mude-os. Procure um outro parque, uma outra paisagem para admirar
:: Se correu mal ou não obteve um resultado satisfatório, analise o que está acontecendo e atue no problema
:: Se os treinos estão repetitivos, repense seu plano de treinos ou converse com seu técnico.

É necessário verificar o motivo de não estar conseguindo atingir seus objetivos. Pode ser desde um problema de relacionamento com o treinador até um overtraining. “É preciso encontrar diferentes formas de fazer a mesma coisa para estimular o treinamento”, afirma a psicóloga do esporte Regina Brandão. “Se o atleta não faz isso pode entrar em saturação emocional ou ‘burn out’, em que a pessoa vai desanimando até desistir de vez dos treinos.” Para que isto não ocorra, além de mudar o treino ou o percurso, também é interessante que se crie metas como ‘hoje eu quero correr num ritmo melhor’, ‘hoje eu vou fazer um tempo melhor’, ou ainda ir para uma determinada maratona ou mundial. “O ideal é que se tenha um estímulo que seja acessível, não podendo ser nem muito fácil, nem muito difícil de ser alcançado. Deve ser de acordo com a realidade do atleta”, diz.

Ao final desta matéria, se você ainda tem dúvida se conseguirá retornar ao ritmo de treinos que estava habituado anteriormente à interrupção –e se você não foi vítima de uma lesão muito grave–, o professor de educação física e especialista em treinamento desportivo Émerson Gomes dá um conselho: “muitas vezes a pessoa fica melhor ainda porque volta com mais vontade. O grande atleta é aquele que conhece melhor seu corpo e seus limites e, quando o treinamento de resultado é feito corretamente, a probabilidade de dar certo é ainda maior”.


:: MEMÓRIA MUSCULAR
A tão polêmica e comentada “memória muscular” (ou “memória motora” ou ainda “memória esportiva”) não é apenas um mito propagado nas academias de musculação. A confirmação desse efeito no organismo é dos especialistas no assunto. Desta forma, quanto maior é seu histórico de exercícios, mais fácil fica para que seu organismo retorne à forma física anterior.

Sendo assim, um atleta – profissional ou amador – pode voltar à sua antiga condição física muito mais rápido do que quem se exercitou por pouco tempo devido a sua maior facilidade em executar movimentos esportivos.

Já é comprovado que pessoas que passaram por um treinamento intenso e geraram adaptações fisiológicas, tanto muscular quanto cardiovascular, são capazes de se exercitar em uma intensidade mais elevada mesmo após um período sem treinamento.

É bom lembrar que existe uma particularidade biológica entre os indivíduos, que pode facilitar mais ou menos esse processo, mas, de qualquer forma, segundo Liane Beretta, as adaptações ao treinamento ocorrem muito rápido e em uma semana de atividade já é possível identificar um aumento no VO2 máx.


:: ESPECIALISTAS CONSULTADOS
Émerson Gomes, professor de educação física, especialista em treinamento desportivo e técnico integrante equipe MPR Assessoria Esportiva
Flávio Freire, professor de educação física e diretor técnico da Flávio Freire Assessoria Esportiva
Liane Beretta, fisiologista, doutoranda em biomecânica pela Universidade do Cabo, África do Sul
Dr. Paulo Sérgio Zogaib, médico especializado em medicina esportiva e fisiologia do exercício, professor do Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte (Cemafe), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Regina Brandão, psicóloga do esporte, professora da Universidade São Judas Tadeu e coordenadora do Instituto de Preparação do Atleta
Dr. Renato Lotufo, médico especializado em medicina esportiva e fisiologia do exercício. É diretor clínico do Instituto de Avaliação Física do Esporte (Iafe) e médico do Sport Club Corinthians Paulista
Rodrigo Taddei, treinador especializado em corrida e diretor técnico da Limiar Assessoria Esportiva

>>> Suplementos esportivos Nutricionais? http://www.suplementosexpress.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário